Mudança feita às pressas em dezembro permitiu votação do aumento em janeiro, contrariando a Constituição Federal
A aprovação do reajuste salarial do prefeito e do vice-prefeito de Coxim, que já é alvo de ação judicial, só foi possível graças a uma alteração feita na Lei Orgânica do Município no fim de 2024. A mudança, aprovada pela Câmara Municipal e publicada no dia 31 de dezembro, retirou do texto a regra que impedia o aumento dentro do mesmo mandato — o que, na prática, abriu caminho para o prefeito reajustar o próprio salário em janeiro.
O que dizia a Lei antes da mudança
Na versão original, a Lei Orgânica de Coxim seguia exatamente o que determina a Constituição Federal. O artigo 33, inciso XXIV, estabelecia que os subsídios do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos secretários municipais deveriam ser fixados “em cada legislatura para a subsequente”.
Em outras palavras, qualquer aumento de salário só poderia valer para o próximo mandato, e nunca para quem já está exercendo o cargo. Essa regra existe para evitar que políticos aumentem o próprio salário enquanto ainda estão no poder.
O que foi alterado
No apagar das luzes de 2024, a Câmara aprovou uma emenda à Lei Orgânica que modificou exatamente esse trecho.
O novo texto removeu a expressão “em cada legislatura para a subsequente” do inciso que tratava dos subsídios do prefeito, do vice e dos secretários. Com isso, o texto passou a dizer apenas que os subsídios seriam “fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal” — sem deixar claro que o aumento só poderia valer para o próximo mandato.
A mudança, publicada oficialmente em 31 de dezembro de 2024, entrou em vigor imediatamente e permitiu que, em janeiro de 2025, fosse votada a lei que reajustou os salários do prefeito e do vice, gerando aumento de mais de R$ 13 mil para o chefe do Executivo.
Por que a alteração é considerada ilegal
De acordo com a Constituição Federal, que é a lei maior do país e deve ser seguida por todos os municípios, os salários do prefeito, do vice e dos vereadores só podem ser definidos por uma legislatura para a seguinte, ou seja, nunca dentro do mesmo mandato.
Juristas citam ainda decisões do Supremo Tribunal Federal que reforçam a ilegalidade desse tipo de reajuste. Como apontou o ministro Luiz Fux em 2021, “é inconstitucional lei municipal que prevê o reajuste anual do subsídio de agentes políticos municipais, por ofensa ao princípio da anterioridade, previsto no artigo 29, VI, da Constituição Federal”. Essa jurisprudência deixa claro que qualquer mudança em lei municipal não pode se sobrepor ao que determina a Constituição.
Consequências jurídicas
A aprovação ou o pagamento de subsídio sem respeitar a anterioridade pode gerar diversas implicações legais:
Ato de improbidade administrativa, com risco de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário;
Responsabilidade solidária dos vereadores que votaram a lei e do prefeito que a sancionou;
Necessidade de devolução dos valores recebidos indevidamente;
Intervenção do Tribunal de Contas, com determinação de glosa dos pagamentos;
Possibilidade de ação popular para suspender o aumento.
O que isso representa
Na prática, a alteração da Lei Orgânica serviu para abrir uma brecha que possibilitou o reajuste de salários do prefeito e do vice, ato que hoje é questionado na Justiça. A ação popular foi movida por Joaquim do Carmo França, que contesta a legalidade do aumento e argumenta que ele foi feito em desacordo com a Constituição e com a própria Lei Orgânica original do município.
A decisão final sobre o caso ainda depende da Justiça, mas o episódio já levanta uma questão importante: até que ponto as leis municipais podem ser mudadas para favorecer quem está no poder?



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